12 de janeiro de 2011

Cachorros dormindo ao sol

Há toda uma mitologia acerca da modernidade do Chile, a qual costumava aceitar, e minha crença não havia sido abalada pelas três visitas que fiz, em 1997, 2000 e 2006. Com certeza o país tem aspectos bastante positivos. Mas agora, tendo um contato mais próximo, tenho certeza que boa parte do que se fala é mentira. Por exemplo, esperava que o sistema financeiro chileno fosse algo que funcionasse bem, com rapidez e eficiência. Não é bem assim. Para abrir uma conta em um banco chileno leva-se, em média, 45 dias! Isso mesmo, quarenta e cinco dias. E eu estou no início dessa via crucis.

Ainda não posso oficialmente ter a conta bancária, pois para tal é necessário tem um número de registro do governo, o RUT (algo como um CPF e identidade). Não se faz nada no Chile sem o RUT. Se você pedir licença para soltar um peido, eles antes perguntarão o número do seu RUT, se não você não pode peidar, e isso é válido para transações pela internet também. O procedimento simplesmente exclui um estrangeiro de fazer compras via internet no país. Pouco antes de chegar aqui, fiquei sabendo que haverá um show do Muse na cidade, e não pude comprar os ingresso com antecedência, pois não tinha (e ainda não tenho) o tal RUT.

Bom, o gerente do banco se ofereceu para ir "adiantando" o processo de abertura da conta, e me encontrou no escritório para assinar papéis (centenas), incluindo a aceitação de um seguro para, em caso de morte, o banco ser ressarcido por possíveis dívidas que eu deixe (creepy). Mas o melhor ainda estava por vir: ao assinar o cartão de autógrafos, o funcionário me perguntou se eu tinha tinta de carimbo, o que achei curioso, e o motivo era o seguinte: eu devia, além das assinaturas, apor minha impressão digital (polegar) aos documentos! Eu não sabia se ria ou se chorava, mas docilmente deixei-me sujar as mãos e satisfazer a sanha burocrática do estado chileno. Imaginei que o procedimento fosse secular, sei lá, da época do domínio espanhol, mas não. Asseguraram-me de que foi introduzido há uns cinco anos, para dar mais segurança às transações, usted sabe como és, no?

Ao contar isso para um colega que já está aqui há mais tempo, ele disse: você anda não viu nada. Quando a sua conta estava "quase" aberta, o gerente pediu para encontrá-lo, e, munido de uma câmara digital, pediu para tirar uma foto do meu amigo. Ele achou que podia ser alguma excentricidade do gerente, sei lá, talvez ele faça um álbum no Facebook com todos os seus clientes, mas não: a foto é parte do processo, para dar mais segurança, usted sabe, no?

Já havia percebido que a cidade de Santiago, com seus prédios modernos, abriga em cada quarteirão pelo menos um cachorro viralata, geralmente vários. Estes são pacíficos e passam o dia inteiro dormindo nas calçadas, chova ou faça sol, contrastando sua moleza com a modernidade arquitetônica quase agressiva. Os bancos chilenos são como esses cachorros, mas um pouco mais lentos.

8 de janeiro de 2011

Preços em Santiago - primeiras impressões

O Don Luis, vinho barato da Cousiño Macul, custou CLP 2.590 (8,80 reais), no Supermercado Santa Isabel. O mesmo vinho pode ser encontrado no Zona Sul, supermercado carioca, por 36 reais! Bom, podemos entender e até aceitar que no Chile, país produtor deste vinho, ele custe menos, mas custar quase quatro vezes mais no Brasil, realmente demanda explicações diversas - é uma soma da dificuldade de transporte (nossa infra-estrutura é precária), dos altíssimos impostos, da pura safadeza dos importadores e comerciantes brasileiros (fator que nunca pode ser minimizado) e da imbecilidade do consumidor, que aceitar pagar esses preços exorbitantes. Por 36 reais aqui compra-se vinhos de qualidade excelente, mesmo.

Já um litro de leite longa vida desnatado custa CLP 489 (1,65 reais). No mesmo Zonal Sul, o preço varia entre 2,20 e 2,40 reais ou quase 40% a mais, na média. É inacreditável.

No geral os preços me pareceram mais baratos em Santiago, embora alguns produtos sejam mais difíceis de comparar, por serem vendidos em quantidades diferentes. Seguiremos informando.

Observação: todas as conversões de câmbio foram feitas pelo XE Converter (BRL 1 = CLP 295,50, no dia de hoje)

Chegando em Santiago

Cheguei ontem a Santiago, após algum atraso no vôo Rio-São Paulo da TAM, já que aparentemente não há vôos diretos do Rio de Janeiro para Santiago. O transporte aéreo no Brasil é lamentável, mas isso é assunto para outro post. Me impressionou positivamente ao chegar no Aeroporto Arturo Merino Benitez a rapidez da fila da imigração, o contrário do que geralmente ocorre no Brasil. Em Brasília, que tem apenas dois ou três vôos internacionais diretos, me lembro de ter chegado no ano passado em um vôo da TAP vindo de Lisboa e ficado quase uma hora para passar pela Polícia Federal.

Outro fato positivo foi a passagem pelo controle sanitário. Declarei estar trazendo uma lata de patê, o que deve ser notificado, segundo o formulário entregue pelas companhias aéreas. Achei que fosse enfrentar algum inferno burocrático, mas não - apenas passaram minhas malas pelo raio-x e fui liberado.

A noite de verão estava agradável, e após deixar as malas no apart-hotel em Providencia, fui com meu amigo Don M ao Baco, bistrô onde tomamos quatro taças de diferentes vinhos, todos excelentes, e comemos quiche lorraine e camembert ao forno. Falarei do Baco em outro post. Voltei para o hotel lá pela uma da manhã e fui dormir.

Acordei tarde e fui dar uma volta pelas redondezas. Foi quando já comecei a ter problemas. Fui comprar um chip para o meu celular, que custava 1.000 pesos chilenos (3 reais), sem créditos, que só podiam ser pagos em dinheiro (en efectivo). Lembrei que tinha na carteira umas notas da última vez que viera ao Chile (2006), e fui pagar com duas notas de CLP 500. A atendente me informou que aquelasas notas não estavam mais em circulação. O Chile, apesar da economia relativamente estável, usa há muitos anos essa moeda cheia de zeros, e provavelmente chegaram à conclusão de que não valia a pena manter as notas de 500. Mas eu tinha também uma única nota de CLP 2.000 (além das de 500), então paguei e recebi o troco, não sem antes ser informado de que poderia fazer a primeira carga do chip, de qualquer valor, em qualquer farmácia - pois a loja da Claro não estava fazendo recargas naquele momento.

Na primeira farmácia já soube que as recargas da Claro têm de ser no mínimo de CLP 2.000. Como eu só tinha a metade disso, tentei sacar dinheiro com cartão de débito brasileiro em diversos caixas eletrônicos, mas todos cobravam CLP 2.500 (5 dólares ou 8 reais) por saque, o que achei um absurdo, e desisti. Agora tenho um chip da Claro chileno sem créditos. Que beleza. Felizmente o apart-hotel tem wifi de graça, e posso usar o Skype quando estou lá.

Resolvi fazer umas compras de mercado, pois o apart-hotel tem uma cozinha, razoavelmente equipada. O supermercado Santa Isabel é do mesmo nível (em organização, limpeza e variedade de produtos) que a média dos brasileiros - ou seja, fraco. Comprei algumas coisas, entre as quais um frango estilo "de padaria", que não era de todo ruim, e um queijo de cabra bem gostosinho. Falarei dos preços mais adiante, porque agora vou comer.

18 de janeiro de 2010

Macarrão à Bolonhesa

A Itália iniciou ontem uma campanha para defender a reputação de um de seus pratos mais famosos: a massa com molho à bolonhesa, informa o Times. A Coldiretti, associação italiana de fazendeiros, sustenta que embora as pessoas em todo o mundo acreditem estar comendo "spaghetti à bolonhesa", na verdade estão se alimentando de uma "mistura improvável" de molho de tomate vindo de um vidro com uma "variedade notável" de ingredientes que vão desde almôndegas ou peru até mortadela.

A receita correta para o molho à bolonhesa, segundo a Câmara de Comércio de Bologna (1982), é a seguinte:

Molho à Bolonhesa (para 4 pessoas)

Ingredientes

- 300 g de carne moída de boa qualidade
- 150 g de bacon
- 50 g de cenouras
- 50 g de aipo
- 30 g de cebola
- 5 colheres de mesa de molho de tomate ou 20g de extrato de tomate
- meio copo de vinho branco seco
- uma xícara de leite
- um pouco de caldo

Instruções
- Picar o bacon e fritar levemente com as cenouras, aipo e cebolas picadas;
- Juntar a carne, vinho e caldo e refogar;
- Adicionar o molho de tomate e cozinhar em fogo baixo por 2 horas, acrescentando o leite gradualmente durante o cozimento.
- temperar a gosto com sal e pimenta.



A propósito, a massa deve ser tagliatelle (precisamente com 8 mm de espessura, segundo uma especificação de 1972!) e não spagheti, como é comum. Para o tagliatelle, a dica é não cozinhar demais, e, para servir, acrescentar queijo parmesão.

Quando eu era criança cansei de comer spaghetti à bolonhesa, em casa e em restaurantes, e sempre achei meio sem graça, ao contrário da minha irmã, que adorava. Nunca soube por exemplo que a receita levava bacon. Agora fiquei curioso e agora vou experimentar a receita original - pelo menos do molho, porque achar o tagliatelle com exatamente 8 mm pode ser um pouco difícil. Aguardem!

7 de janeiro de 2010

Gruyères


Somerfildo contemplando o vale


Gruyères é uma cidade medieval, no alto de uma colina, no cantão suíço de Fribourg. Situada nas montanhas pré-alpinas, com 810 m de altitude, a pequena vila tem apenas 170 habitantes. O queijo Gruyère, embora seja fabricado em diversas regiões, deve seu nome ao local. A atração principal da cidade é o castelo, e há diversos restaurantes de comida regional.



Castelo de Gruyères


Era um dia muito frio quando estivemos lá, então nada melhor do que uma raclette antes de passear pela cidade. O queijo - que não é Gruyère e sim Raclette mesmo - é derretido na própria mesa, em um "derretedor" próprio.
Raclette é um prato suíço, muito popular por séculos; alguns dizem que teve origem com os pastores nas montanhas, outros que teria sido inventado pelos colhedores de uvas na região de Valais. A idéia é aquecer o queijo (que antigamente era feito encostando-o às brasas quentes) e raspar (em francês, raclet - daí o nome raclette) o queijo derretido, espalhando-o por sobre as batatas e pickles.

Segundo o Somerfildo é um fondue ao contrário.

O prato fica assim:


Depois desse almoço levemente calórico, o Somerfildo pôde gastar suas energias brincando na neve...



2 de janeiro de 2010

Trilha sonora do primeiro dia do ano



"The best of Charlie Haden Quartet West" é, como o nome diz, uma coletânea. Haden, hoje com 72 anos, tocou com nomes de vanguarda do jazz como Ornette Coleman, Keith Jarrett e Pat Metheny, pops como Yoko Ono, e é um dos mestres do baixo acústico. Esse cd serve como introdução perfeita ao trabalho do músico com o Quartet West.

Longe do jazz de vanguarda, o Quartet West interpreta baladas clássicas e canções dos anos 1940/50, como "Body and Soul" e "Moonlight Serenade", num arranjo econômico para a canção que ficou famosa na gravação de Glenn Miller com sua orquestra. A bela "Our spanish love song" é uma de minhas favoritas, assim como a música que abre o cd, "Hello, my lovely". Esta pode ser vista em vídeo da apresentação que o quarteto fez em São Paulo em 1999, no Heineken Concerts.

É a trilha sonora perfeita para o começo da nova década.

1 de janeiro de 2010

Crônicas birmanesas



A Birmânia, como se chamou em português por muito tempo o país que desde 1989 se chama de Myanmar - é o maior país do sudeste asiático. É governado desde 1962 por uma junta militar, e uma das mais cruéis ditaduras dos tempos atuais.

A região, que os ingleses até hoje chamam de Burma, foi colônia do Império Britânico por 62 anos (1824-1866), e depois incorporada ao Império Indiano, administrada como província indiana até 1937 e tornada independente do "Commonwealth" em 1948.

"Crônicas birmanesas" (2007) é mais uma história em quadrinhos desenhada por Guy Delisle, o autor de Pyongyang. Neste livro, ele conta os 14 meses passados em Rangum, antiga capital de Mianmar, e algumas viagens pelo interior do país.

Delisle foi morar em Burma acompanhando sua mulher, funcionária da ONG francesa "Médicos sem Fronteiras", e no livro retrata a difícil vida da população na ditadura mas também o mundo bizarro das ONGs.